Se um casal tem um cão ou um gato, que é da estimação dos dois, ocorrendo a separação, com quem ficará o animal?
Quando o casal não tem filhos, por não existir esse motivo de solução consensual da situação e também porque os donos do animal se apegam, na ausência de prole, ainda mais ao animalzinho, surge o conflito.
Já existem litígios judiciais de disputa da posse ou guarda dos animais.
O pensamento correto dos Tribunais é de que o animal não pode ser objeto de partilha, como se fosse uma coisa.
Há sentimentos envolvidos, o chamado afeto, que é recíproco, ou seja, de ambos os cônjuges pelo animal e do animal pelo marido e pela mulher.
A proteção judicial deve ser dada, portanto, às pessoas e ao bichinho.
Não há lei no Brasil para regular esse assunto, tendo chegado o momento do Congresso Nacional movimentar-se para regular a matéria, diante de tantos casos que aparecem, em razão do número crescente de animais domésticos.
Diante da falta de lei, uma pergunta se impõe: é possível o estabelecimento de guarda de animais?
Um Juiz poderia estabelecer a guarda compartilhada de um animal de estimação? Ou mesmo, a guarda exclusiva ou unilateral do marido ou da mulher, com regulamentação das visitas do outro consorte? Nas hipóteses em que somente um deles tem afeto verdadeiro pelo bichinho ou mesmo ou outro cônjuge não dá atenção ou até maltrata o animalzinho de algum modo, este último poderia ser impedido de ver o animal, como pode ocorrer na guarda de filhos?
Tradicionalmente, a guarda é definida como o direito e ao mesmo tempo o dever dos genitores de terem seus filhos sob seus cuidados e responsabilidade, cuidando de sua alimentação, saúde, educação, moradia etc. Ou seja, trata-se de instituto destinado a regular a relação entre pais e filhos.
Mas o animal não se equipara a um ser humano, embora o afeto que nutrimos por nossos cães e gatos seja equiparável ao que temos por esses adoráveis animaizinhos.
Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo Carlos Alberto Garbi, relator de Recurso de Apelação no qual, após amplo levantamento doutrinário e interdisciplinar, concluiu que “o animal em disputa pelas partes não pode ser considerado como coisa” e determinou o estabelecimento do regime de guarda alternada do animal de estimação.
Desembargadora Christine Santini, em Agravo de Instrumento por ela relatado no Tribunal de Justiça de São Paulo, em decisão liminar de sua lavra, com atenção sensível ao caso, decisão essa que foi mantida pela Turma Julgadora no acórdão, decidiu pela convivência em fins de semana alternados de um gato de estimação com seus donos, agora divorciados, destacando não se tratar de discussão em torno de filho, mas, sim, de animal. De acordo com a decisão, o gato, por ser um animal territorialista, mereceria o tratamento diferenciado que lhe foi conferido no caso, sem guarda alternada, mas passando alguns dias na casa do marido e vivendo a maior parte do tempo na residência da mulher.
Importa destacar que o estabelecimento da “guarda” é muito mais importante do que o estabelecimento de simples regime de convivência, vulgarmente chamado de regime de visitas, pois confere aos donos do animal a possibilidade de atuar, efetivamente, nos cuidados, como, por exemplo, na escolha do veterinário, da alimentação, da forma de realizar a higiene etc. O simples direito de visita não permite a intervenção em favor do animal em caso de maus tratos ou de comportamento desidioso daquele que efetivamente fica com a posse do animal. Os donos querem, de fato, participar dos cuidados do animal, da escolha do veterinário, dos remédios eventualmente necessários, da ração mais indicada, etc., possibilidade que o simples regime de convivência não lhes confere.
Se ambos nutrem afeto pelo animal e o animal por eles, seja um gato, seja um cachorro, é preciso uma efetiva regulamentação da guarda.
Importa mencionar que não basta a guarda alternada do animal, pois não é desejável que o animal de estimação fique submetido a cuidados diversos a depender daquele que exerce a guarda em determinado momento. Imagine-se os malefícios que poderiam ser gerados ao animal se ele fosse submetido a dois tratamentos distintos por dois veterinários distintos, por exemplo.
É fundamental, portanto, o estabelecimento da guarda compartilhada destes animais em atenção à natureza especial destes seres, mesmo na ausência de legislação específica sobre o tema. Aliás, espera-se que os legisladores se sensibilizem para que haja rápida regulamentação da guarda de animais, pois posse é de coisa e guarda é de ser, seja humano, seja animal.
Cada animal tem suas especificidades. Eles sentem, sofrem, ficam nervosos, criam relações de afeto e de desafeto.
De fato, não podemos confundir animal com ser humano. Animal de estimação não é filho e esta articulista destaca essa distinção. No entanto, de acordo com o valores de uma nova era, não podemos esquecer da ligação afetiva que temos com os animais domésticos.
Fonte: Estadao