Afinal de contas, o amor próprio ameniza a solidão, coloca nossa cabeça no lugar para mirar no que realmente importa para nós e não deixa que continuemos a nos impressionar com quaisquer migalhas.
Já estamos cansados de ver, no cinema e na televisão, histórias de homens e mulheres que mudam o seu comportamento para convencer um parceiro a se envolver ou mesmo agem de forma desonesta, deixando de lado o amor-próprio, para prendê-lo em um relacionamento.
Em muitas comédias românticas os protagonistas que usam dessas artimanhas para conquistar alguém acabam aprendendo a lição, tornam-se seres humanos melhores e ainda terminam a história juntos da pessoa que tentaram enganar. Maior sucesso impossível, não é?Ao ver o esforço valendo a pena nos filmes e nas novelas, acabamos construindo uma visão bastante deturpada de relacionamentos amorosos. Na tela, mais parece uma relação comercial sem escrúpulos na qual o vendedor tenta convencer o cliente de que ele está levando para casa o produto ideal — mesmo que ele não queira.Na vida real, nem sempre é assim! A própria ideia de lutar pelo amor de alguém, se pararmos para pensar, não faz sentido. Como isso pode ser recompensador se o adversário nesta batalha é justamente a vontade do outro de não ficar com você? Será que esse é mesmo o caminho?
Por que caímos nessa?
Há um provérbio que diz: “No amor e na guerra vale tudo”. Uma afirmação como essa apaga completamente a ação do outro no relacionamento amoroso, dando a ideia de que o único requisito para construir uma relação é a vontade de um dos envolvidos. Ela também nos dá a impressão de que o amor, como a guerra, tem como principais valores no seu desenvolvimento o poder e a dominação e não a compreensão e a negociação. Sendo assim, convencer alguém a se relacionar é claramente um erro e são três os principais motivos que nos levam a cometê-lo: carência, projeção e confusão.
Carência
Às vezes, percebemo-nos em situações nas quais nos sentimos muito sozinhos. Ainda que tenhamos bons amigos ou parentes por perto, parece que todo mundo está ocupado demais com os seus próprios projetos para nos ouvir. E mesmo que nos ouçam, a sensação é de que eles não entendem muito bem o que a gente está dizendo e os seus conselhos deixam claro a falta de tato em perceber as nuances dos nossos problemas. Inevitavelmente, acabamos nos retraindo, o que não ajuda em nada na solidão. Eis que, de repente, aparece uma pessoa interessada em nos ouvir. Ela é carinhosa e atenciosa e, olhando bem, até que um bom partido também. De súbito, cedemos grande parte do nosso tempo a esse ser que acabou de surgir e ele se torna uma grande prioridade em relação às nossas tarefas ou aos nossos amigos. Não podemos permitir que ela vá embora, porque isso deixaria um grande vácuo nas nossas vidas, uma vez que se tornou a nossa principal fonte de carinho. Também não nos deixamos pensar que, talvez, não seja o homem ou a mulher das nossas vidas e fazemos vista grossa para qualquer falha ou problema que venha a aparecer. A verdade é que não se trata de amor, ou paixão, apenas uma vontade de nos sentir queridos, de sentir que há algo de bom em nós, porque sozinhos não conseguimos enxergar. Se você se encontrar nessa situação, quando cair na real, perceberá que não quer estar nesse relacionamento. Afinal, você não ama a pessoa ao seu lado, mas o carinho que ela lhe oferece.
Projeção
Todo mundo tem uma lista de características que busca em um parceiro. São aqueles traços que nos fazem virar o pescoço na rua — quando se trata de aparência física — ou apurar os ouvidos — no caso de ideias e caráter. Quando estamos desprevenidos, vez ou outra conhecemos alguém que tem tudo ou quase tudo aquilo que a gente procura em um parceiro. Sua beleza nos chama a atenção, suas ideias completam as nossas e mesmo os seus hobbies são todos coisas que amamos fazer. A lenda da alma gêmea, que diz só haver uma pessoa no mundo para cada um de nós, nos leva a acreditar que se alguém atende a todos os nossos requisitos , só pode ser também o par que nos foi destinado.Sem ao menos saber o que esse ser incrível pensa sobre o assunto, criamos um lindo relacionamento em nossas cabeças, todo baseado em expectativas. As lacunas daquilo que ainda não conhecemos do outro, preenchemos com mais características que atendem aos nossos desejos.
Projetamos, portanto, um relacionamento perfeito que, justamente por ser ideal, é inalcançável e nos dispomos a fazer de tudo para viver esse sonho.
Confusão
Um fator de incompatibilidade muito sério, mas que muitos casais insistem em relevar no esforço de ficarem juntos é a diferença de objetivos na vida. Cada pessoa possui as suas próprias ambições e valores diferentes que as sustentam e que criam caminhos para as suas realizações. Algumas acreditam que felicidade só é possível a partir de determinado padrão de vida, outras pensam que uma carreira sólida é a grande missão de uma pessoa e há também quem acredite que só dá para ser feliz com simplicidade. Nem sempre esses objetivos se complementam e esse é o tipo de incompatibilidade que não cabe na vida a dois. Quando não sabemos o que queremos da vida, nós nos permitimos desejar relacionamentos que não contemplam o nosso futuro e podemos até nos enganar durante muito tempo para convencer o outro de que possuímos sonhos afins. Não deixe para perceber isso só quando for tarde demais e você tiver feito de tudo para convencer o seu parceiro ou parceira de que estava tudo bem, embora tenha desistido dos seus objetivos para alcançar os objetivos dele(a).
Amor-próprio é a solução
Embora seja fácil identificar essas três dinâmicas quando vemos uma situação de fora — quem nunca teve que aconselhar um amigo carente, sonhador ou confuso? —, quando estamos vivendo dentro desses sistemas perdemos totalmente a noção. A única vacina para essas três doenças do coração e da mente é o amor-próprio e, claro, seu principal pressuposto, o autoconhecimento. Ele não nos deixa sentir sozinhos demais, porque sempre teremos uma companhia sólida ao nosso lado: nós mesmos. Também não deixará que nos encantemos por qualquer rostinho bonito e esqueçamos nossa dignidade para conquistá-lo. E, por último, vai exigir que tenhamos foco naquilo que realmente importa para nós, de modo que só vamos permitir que nos acompanhem aqueles que possam nos ajudar. Lendo assim parece um conceito bem simples, mas o amor-próprio é um processo. Afinal de contas, isso envolve, por exemplo, conhecer todos os seus defeitos — até os mais escondidos que ninguém conhece — e, ainda assim, reconhecer o que há de bom você. De todo modo, é uma jornada recompensadora a cada passo e que vai lhe ajudar a desviar com mais facilidade de relações tóxicas e da falsa necessidade de convencer alguém a ficar com você. Consequentemente, você estará pronto(a) para construir um relacionamento saudável. Afinal de contas, o amor próprio ameniza a solidão, coloca nossa cabeça no lugar para mirar no que realmente importa para nós e não deixa que continuemos a nos impressionar com quaisquer migalhas.